Contribuições da Segurança Social<br>são património dos trabalhadores

Maria do Carmo Tavares

A comunicação do Governo, pela voz do primeiro-ministro, de que pretende aumentar a taxa contributiva aos trabalhadores do sector privado e público de 11% para 18% a aplicar à sua retribuição, foi recebida com a mais profunda indignação e protestos em todo o País.

E essa indignação é tanto maior quando esse aumento brutal sai directamente dos salários dos trabalhadores, ou seja, dos seus descontos directos para a Segurança Social para os bolsos das entidades patronais, a quem reduzem o valor das contribuições para o Sistema Público.

Não é para melhorar a protecção social: aumentar as pensões dos trabalhadores reformados que contribuíram uma vida inteira, estando dezenas e dezenas de milhares sem aumentos há anos e, ainda, sem 13.º e 14.º mês, nem para melhorar a protecção no desemprego revogando todas as medidas que impuseram no subsídio de desemprego ao diminuírem o tempo de atribuição e o seu montante, isto num momento em que temos milhares de famílias no desespero, sem emprego nem esperança da sua existência, e que vêem significativamente reduzida esta protecção.

Pretendem aumentar as contribuições dos trabalhadores, que saem directamente do seu rendimento bruto mensal, ficando com menos retribuição líquida. Estamos perante uma descarada descida dos salários.

Para os bolsos dos patrões

A contribuição patronal de 23,75%, segundo a proposta do Governo PSD/CDS, passaria para 18%. Esta transferência de encargos dos patrões para trabalhadores representa 2800 milhões de euros, o que significa 20,6% do valor das contribuições previstas no Orçamento da Segurança Social rectificado para 2012.

Os argumentos avançados por este Governo, sem moral nenhuma, são o da criação de emprego e promover a nossa competitividade. Estes argumentos são tão descarados que são as próprias entidades patronais e as diversas associações a não se comprometerem com tais promessas porque sabem bem como é que estas coisas acontecem, quanto dinheiro público e da Segurança Social, à pala das políticas activas de emprego da formação profissional etc., já foram «enterrados» nas empresas ao longo de décadas e nunca se soube quantos postos de trabalho foram criados, o que alimentou, isso sim, foi a precariedade de gerações de jovens. Agora tocam um pouco a «rebate» por causa da baixa do consumo e consequente diminuição de lucros dos seus grupos económicos.

Se os salários emagrecem e se há empobrecimento acelerado de diversas camadas da população está visto que cada vez se consome menos.

O dinheiro é dos trabalhadores

Em primeiro lugar é bom reafirmar que as contribuições para a Segurança Social não são impostos. É importante desasfazer este «equívoco», alimentado em muitas ocasiões pelos partidos da actual coligação, que se referem às contribuições como se de impostos se tratasse.

As contribuições da Segurança Social desde 1963 que estão consignadas, o que quer dizer que estão atribuídas a determinadas despesas da Segurança Social, não podendo ser utilizadas para outros fins.

A Segurança Social rege-se por princípios constitucionais, por uma Lei de Bases e, mais recentemente, por um Código Contributivo, e tem um orçamento próprio.

O sistema previdencial (regime contributivo), segundo a Lei de Bases, tem um princípio que é o da contributividade, que refere que deve ser fundamentalmente auto-financiado, tendo por base uma relação sinalagmática (contrato bilateral) directamente entre a obrigação legal de contribuir e o direito às prestações. Este princípio é estruturante no nosso sistema.

As partes capital/trabalho contribuem para se garantir as prestações substitutivas dos rendimentos do trabalho em caso de riscos sociais, como é o desemprego, ou a doença, a invalidez na velhice e a parentalidade.

Não cabe ao sistema previdencial e à Segurança Social em geral a função de gerar competitividade, isso é do âmbito fiscal.

Aliás, a determinação dos montantes das contribuições das partes, ou seja, as taxas contributivas, são fixadas, actuarialmente, segundo o Código Contributivo, em função do custo da protecção das eventualidades previstas.

A taxa contributiva global integra o custo correspondente a cada uma das eventualidades conferidas pelo regime geral dos trabalhadores por conta de outrem, que integra a protecção na doença, na parentalidade, no desemprego, nas doenças profissionais, na invalidez, na velhice e morte e tem as seguintes parcelas: custo técnico das prestações; encargos de administração; encargos de solidariedade laboral e encargos com políticas activas de emprego e valorização profissional.

O PCP nunca foi favorável que esta parcela fosse imputada às contribuições, dado que as políticas de emprego dizem respeito a toda a sociedade e não só aos trabalhadores, mas o artigo 52.º do Código Contributivo consigna (uma vez mais está consignado) da receita às políticas activas de emprego e valorização profissional 5% das contribuições orçamentadas no Continente e Regiões Autónomas, mas refere que se houver saldos destas receitas atribuídas aos organismos com competência na matéria estes revertem para o orçamento da Segurança Social.

Quando da discussão do Código Contributivo, a CGTP-IN sempre se opôs ao modelo que o Partido Socialista introduziu de adequar a taxa contributiva à modalidade do contrato de trabalho, de reduzir a taxa aos efectivos num ponto percentual e aumentar três pontos percentuais aos contratos a termo, que se encontra, pela nossa acção, não temos dúvidas, suspenso, porque consideramos que o palco do combate à precariedade no emprego não passa por esta via.

Os descontos da vida de trabalho dos trabalhadores vêm dos primórdios da existência da Segurança Social e são para protegê-los das diversas eventualidades e de riscos sociais. É de todo ilegal que se pretenda dar outro rumo a um património que gerações construíram. Não podemos permitir nem esta proposta escandalosa, nem modulações. Temos de rejeitar a toda a linha que mexam no nosso dinheiro.

Por outro lado, deitam para o lixo o direito de participação dos trabalhadores previsto na Constituição da República Portuguesa e na Lei de Bases, que refere que os interessados devem participar na definição no planeamento e gestão do sistema. É vergonhoso que o primeiro-ministro e o Presidente da República andem a discutir estas matérias nas costas de quem contribuiu e é beneficiário!

O ministro Mota Soares extinguiu todos os órgãos de consulta e participação previstos na Lei de Bases; muitos não funcionavam mas podiam a qualquer momento ser convocados, mas o Governo encarregou-se de os enterrar.

Os caminhos que estes malfeitores pretendem impor condenariam a nossa Segurança Social. Temos que afirmar bem forte «Não podemos ir por aí». A Segurança Social é nossa.
Todos à luta da CGTP-IN, no dia 29 de Setembro, para pôr fim a estas políticas de agressão!

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Nota: O aparente recuo do Governo em relação à TSU não encerra a questão, pelo que o Avante! considerou útil publicar este artigo, escrito ainda antes de o Executivo anunciar que está disposto a procurar «alternativas» no âmbito da Concertação Social.

 



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